28 fevereiro, 2004

Toquinho
Fui ao show do cara no s?bado antes do Carnaval. M?gico, prodigioso. Toquinho, artista que por muitos era visto como um coadjuvante daqueles tempos em que Vin?cius e Tom esvaziavam garrafas pelo Rio, ? na verdade um virtuose de seu instrumento, um int?rprete discreto mas correto, um compositor de primeira e uma criatura de rar?ssimas simpatia e sensibilidade.
Fui com Marcele, e mais o endiabrado Alexandre Lalas e sua companheira Paula (capa do JB de amanh?). Na mesa, garrafas e latinhas. O Canec?o, completamente lotado, parecia estar controlado por um mestre - e estava. Um pot-pourri com p?rolas como "Gente Humilde" (de Vin?cius e Garoto), "Berimbau", "Consola??o", e l? estava o p?blico completamente tomado pelo artista.
At? o Chico Pinheiro, aquele apresentador da Bandeirantes, subiu ao palco e, meio tomado pela emo??o e pelo u?sque, cantou nem lembro o qu?.
Eu olhava o corintiano Toquinho, e n?o conseguia ver ali um paulistano leg?timo, nem um carioca t?pico. Toquinho virou cidad?o do mundo, me desculpando a? o lugar-comum mais do que batido. Mas que sem d?vida ele me remete muito mais a um Rio bom de se viver do que a qualquer peda?o de S?o Paulo, isso n?o h? d?vidas. V?-lo tocar "Samba de Orly", ouvindo sua ?nfase em "mas beija o meu Rio de Janeiro, antes que um aventureiro lance m?o" , esclarece tudo: Toquinho ? do Rio tanto quanto o Rio ? de Toquinho, ou seja, quando um dos dois quer, em uma rela??o amorosa aberta.
Esse tipo de rela??o, em que n?o h? ci?me, s? ? permitida aos g?nios.
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Opress?o ? escroto
Nota ruim do evento: o Canec?o atende bem, etc, mas neguinho enche teu saco para voc? pagar durante o show. Ent?o l? estava eu fazendo contas no meio de "Aquarela". A gar?onete, uma jovem, provavelmente de origem humilde, semi-aliviada por conquistar um emprego em que o filhadaputa-mor lhe paga 300 reais por m?s para aturar filhadasputas que ganham mais de cinco mil, errou: me disse que para pagar no d?bito autom?tico eu teria que ir a um lugar.
A garota n?o sabia que havia aquela maquininha que negozinho leva na mesa e voc? s? digita senha. Normal, na minha opini?o. Falta de treinamento, s? isso.
Mas a? eu estava na porta de um lugar l?, um daqueles lugares onde s? gente da casa circula, tentando entender QUEM eu deveria esperar para pagar a merda da conta, quando veio uma gerente gorda e opressora e come?ou a torrar o meu saco, perguntando o que havia acontecido, como se eu quisesse caguetar a gar?onete por alguma coisa. Expliquei direito porque eu havia levantado da mesa exclamando PUTA QUE PARIU, no meio de "Aquarela", e a gerente disse para eu voltar ? mesa. Voltei, veio a maquininha, paguei a conta e achei que estava tudo bem.
Porra nenhuma. Da? a cinco minutos, me aparece a gar?onete no corredor inferior, embaixo da minha mesa, olhando para mim e dizendo:
- Senhor, por favor, me desculpe. Eu sou nova aqui. Me desculpe.
Sa? do show do Toquinho pensando onde est? indo parar a porra da ra?a humana. Na hora, quase eu pedi desculpas ? gar?onete.
E ? claro que a filhadaputa da gerente que deve ter dado esporro na garota e colocado o emprego dela em jogo por causa de um simples mal-entendido.
A gente nessa hora fica pensando: ? assim? Eu ent?o deixo uma criatura daquelas na merda, fudida, porque n?o veio o gelo pro meu u?sque?
Deve ser por isso que eu n?o gosto muito de gerentes. Deve ser por isso que Cristo disse "M?dicos, curem a ti mesmos". Eu diria, "gerentes, fodam-se em vez de foderem os outros".
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Cidade do Blues
Chega de Carnaval. Nesta segunda-feira tem CIDADE DO BLUES na R?dio Cidade, superespecial, com Z? da Gaita tocando ao vivo, mais convidados, muita zorra e rock and roll. Quem estiver fora do Rio, como meus amigos Cascalho Ventura e Bad Snows, pode tentar ouvir o programa pelo link que tem no site http://www.blackcadillac.com.br. At? l?.
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QuAl ? melhor?
"Love and happiness" ? melhor com o Al Green ou com o Al Jarreau? Sei que ? a m?sica do dia. Vamos curtir.

Frase incorreta
Ok, é outra daquelas incorretíssimas, mas de um sadismo irresistível:
"Pobre é uma merda: vive dizendo que não tem nada, mas quando vem a enchente diz que perdeu tudo".

Crepúsculo
Aquele índio dos livros do Carlos Castañeda, o Don Juan Matus, dizia uma frase que ficou para sempre na minha memória (afinal, lá se vão 20 anos desde que eu li Carlos Castañeda): "O crepúsculo é a fresta entre dois mundos". Hoje, neste fim de tarde de sábado em que Marcele está trabalhando como escrava e eu fico esperando, percebi repentinamente que há muito não vejo um crepúsculo.
Nem mesmo virando a noite (a palavra vale para a chegada do sol e para a despedida, é engraçado), nem no fim do dia, quando no horário das 18h geralmente estou metido na redação, telefonando para alguém ou desenhando página.
Vendo esse fim de um sábado ensolarado, percebo o quanto faz falta essa percepção de que a noite chega, de que o manto escuro está se espalhando, essa sensação de que a maré da escuridão está subindo e que se você não correr para a luz pode acabar com trevas até o pescoço.
É assim no mato. É assim na vida. Apreciamos o crepúsculo, mas tememos a noite, nós que moramos nos grandes centros urbanos. Sim, queremos sair, queremos ir aos bares, às boates, mas geralmente temos medo na volta. Ou na ida.
Pelo lado espiritual da coisa, eu sinto que é difícil o sujeito conseguir o estado de concentração ideal, de inspiração e sentimento adequados, se ficar muito tempo sem ver um pôr-do-sol. Nem que seja esse aqui, em um quarto escuro, com um computador, uma vela e ao fundo Al Jarreau cantando "Come Rain or Come Shine".
Estranhei um pouco a súbita angústia desse cair de tarde, mas me lembrei o motivo: poder estar em casa na hora do crepúsculo me lembra muito o tempo em que eu era obrigado a estar deitado, com dores terríveis, achando que o fim da linha, se não estava em frente, estava sempre do lado.
Sim, o crepúsculo, pelo menos para mim, é a fresta, não entre dois, mas entre vários mundos. Alguns claros, outros escuros, mas todos terrivelmente finitos, que me obrigam a viver intensamente tudo o que for possível.
Sim, o crepúsculo. Talvez seja o crepúsculo - ou algo ainda mais forte que todo o movimento que faz esse sol que nos desprotege: a saudade de Marcele. Sai logo do trabalho, caramba.

O vício maldito do futebol
Continuo administrando meu time, Fla-Bujica, no http://www.hattrick.org. Terminei minha primeira temporada em segundo lugar, não subi de divisão, mas dei início a uma boa base para 2004. E desde semana passada já está no ar o site noticioso com todas as notícias e informações sobre o Fla-Bujica:http://www.ht-arena.com/flabujica/.

Racionamento de energia
Não é mer(d)a coincidência: fiquei 20 dias sem atualizar esse espaço aqui e fiquei 19 dias trabalhando sem intervalo para folga. Culpa unica e exclusivamente dessa data em que as pessoas normais decidem que vão sair pulando por aí ao som de sambas repetitivos ou trios elétricos da Bandeirantes.
Em suma: Carnaval é um porre. Para todos.
Sempre escolho trabalhar no Carnaval porque prefiro estar de folga na Semana Santa do que em quatro dias nos quais TUDO está parado, sem funcionar. Nada é mais chato do que festeiros que exigem ruas fechadas, desvios no trânsito, cordão de isolamento e o cacete. Carnaval é coisa de neguinho espaçoso.
Logo, folgar agora seria chato pacas - a merda é que trabalhar significou isso mesmo: três semanas seguidas de trabalho.
Decidi, logo de cara, que não ia ficar atualizando o blog, por uma questão de racionamento de energia. Eu iria precisar das reservas mínimas. Nem que fosse para todos os dias encarar a Rio Branco tomada por foliões até chegar ao meu trabalho.
É claro que em um dia ou outro assisti o Carnaval pela televisão, quando eu chegava de madrugada. E constatei o de sempre: que tudo está rigorosamente na mesma merda. A Banda Beijo continua "empolgando", a Globo continua com seu plano de destruir gradativamente as duas maiores paixões do brasileiro (Carnaval e Futebol) com idiotices gráfico-tecnológicas, as entrevistas continam imbecis. Teve uma, altamente previsível, do repórter da Globo na ala das baianas da Império Serrano.
É claro, óbvio, que na absoluta falta de assunto a ser conversado com senhoras idosas que moram há um século no morro, a pergunta do cara tinha que ser:
- A senhora desfilou em 1964 (quando o enredo foi apresentado pela primeira vez)?
- Quêisso, nem sou tão velha assim - respondia uma coroa que tinha idade para ser mãe do Austregésilo de Athayde.
Outra respondeu, na maior cara-de-pau:
- Eu nem era nem nascida.
Restou ao repórter esquecer a pauta e jogar uma gracinha ao vivo, do tipo "Ih, tem gente escondendo a idade" ou coisa do tipo.
Enfim, isso é o Carnaval. Até que enfim acabou. Segunda-feira começa 2004. Feliz ano novo, rapaziada.

09 fevereiro, 2004

I woke up this morning
Nada para fazer à meia-noite desta segunda-feira? Coloque o dial em 102.9 FM, e acompanhe mais uma edição do Cidade do Blues, com este que vos escreve. Hoje é dia de Muddy Waters ao vivo e talvez uma da Dinah Washington, apesar de não ser muito blues. Até lá.

05 fevereiro, 2004

Língua ferina
Geralmente, quem escreve bem também fala bem. E quem fala bem, geralmente tem a língua ferina.
Isso se aplica a uma repórter com nome de cidade italiana que trabalha aqui do meu lado (Firenze). Uma outra repórter vem, olha para a tela, e vem o diálogo:
Repórter de saia curta: - Ih, você também mandou email para o Cesar Maia!
Repórter-cidade-italiana: - Mandei.
Repórter de saia curta: - Eu mandei. Vamos ver quem ele responde primeiro?
Repórter-cidade-italiana (olhando para a outra de alto a baixo): - Com essa saia aí, deve ser você.
Pano rápido. Redator faz obituário, de repente levanta a voz e pergunta:
- Alquém tem um sinônimo para "chefe de reportagem"?
Repórter-cidade-italiana: - Escroto.
Novo pano. Em definitivo.