27 fevereiro, 2002

Mordendo vagas

Ela andava pelas ruas e não via nada de novo. Todos os rostos que diariamente passavam com seus corpos para lá e para cá, pálidos, morenos, mulatos, novos, envelhecidos. Mulheres de salto alto e cabelos longos atravessaram a rua. Olhos claros a olhavam intrigados e não entendiam sua mania de franzir o rosto, como se as coisas fossem sempre muito ruins. Ela vira uma senhora que negou distraída uma esmola a um mendigo retroceder logo em seguida, quando constatou a deficiência física do homem que se arrastava pelo chão. A avenida era carioca. Ela estranhou a bondade cética, a caridade classificatória. Não gostou.
Os olhos claros a olhavam enquanto ela via apenas outros olhos. Pensando nisso, cantarolou. Queria dizer tanta coisa. Escondeu que chorar era uma necessidade tanto quanto rir. De repente, sentia que a sua incompetência a avermelhava inteira, de raiva, pudor, tristeza e fúria. Gostava da palavra fúria. Pensou se fosse outra pessoa... aquela moça ali, de camiseta verde, bandana também verde na cabeça, de cabelos ondulados e olhos castanhos. Quem ela seria? Uma moça andando para o metrô. Parecia advogada e talvez não chorasse tanto. Talvez também não risse tanto. Quem saberia se vivia? Quem saberia o quê ela vivia? Quem saberia como ela vivia? Então, quis ser ela mesma, normal à exaustão, simples como uma calçada de pedras portuguesas ou uma fruta de conde. Ou uma noite de escritas deslumbrantes e de um amor constante e fiel. Lembrou que aqueles olhos claros sugeriram que ela escrevesse cartas de amor. Ela obedeceu com mais afinco que a um receituário médico: sentir-se feliz era urgente. Inventou destinatários. Depois as rasgou. Rasgou também sua língua naquela mordida feroz que deu na vida. Doeu. Ela xingou. Ardeu, ela reclamou. Mas o prato ainda estava cheio. Ela tentaria acabar de comer devagar e atenta.

26 fevereiro, 2002

Esta é da Eva, a sueca

"Os homens brasileiros são como as baratas: a gente nunca sabe qual será o próximo passo".

Protesto covarde, chantagista e apelativo

Querido Gustavo, se você não consertar logo o seu modem eu falarei mal do Flamengo, aquele timeco, dia sim, dia não.

Teste de fidelidade

São duas horas da manhã. E eu nem sabia. A insônia veio como quem não quer nada e quando me dei conta estava vendo televisão, mudando de canal, buscando filmes ou programas diferentes, tentando apaziguar este estado de alerta, quando eis que me deparo com um programa do João Kleber chamado “Teste de Fidelidade”. Bom, todo mundo já deve ter ouvido falar nesse tal programa, menos eu, que assisto muito pouco televisão e também não li nada sobre isso nos jornais (me sinto obrigada a explicar por que assisto pouco televisão: simplesmente porque os canais têm uma péssima imagem aqui em casa e me irrita ter que brigar com a antena e com os chiados. Ou seja, não é aversão pelo veículo ou pelos horrendos programas que passam, como esse que calhou de eu ver justamente porque era o melhor canal sintonizado, é um problema de antena mesmo, que lembra tv a cabo e se eu continuar descambará na minha falta de dinheiro que, aí, já será um outro assunto).
Um homem baixo, de cabelos raspados, senta-se para uma entrevista de emprego. A entrevistadora é uma mulher loura, com um decote sensual e muito bonita. A mulher começa a seduzir o cara, elogia daqui, elogia dali, convida o cara para tomar um suco, coloca as pernas por cima das pernas dele, tudo isso sob o olhar da namorada que está no auditório, ao lado do João Kleber. Alguém sabe se é possível rir para dentro? Pois o cara ria para dentro, tímido, diminuído na frente da loura. Ai ai.
Depois, um carioca de 21 anos, simpático, que tem uma namorada em São Paulo, uma mulher de 34 anos. O cara diz com lágrimas nos olhos que é apaixonado por ela. A mesma cena se repete, ao avesso: a mulher procura emprego e é entrevistada por um homem nada atraente e daqui a pouco está sentada em um bar com ele e fala algumas coisas tipo “meu namorado é um chato, pergunta tudo” e o menino lá, escutando. E João Kleber pergunta: "vai querer ver até o final? tem cenas pesadas!".
Mas no final todos dizem "eu te amo".
Eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo. Eu te amo? Eu te amo? Eu te amo? Não soube o que pensei.
Agora são duas horas da tarde. Há quanto tempo eu não digo: eu te amo.




22 fevereiro, 2002

Oss lustiga vara!

Nós estamos nos divertindo! Esta é uma frase em sueco que aprendi ontem com a Eva (pronuncia-se Iéva), minha “inquilina”. Ela é amiga de um amigo meu e não tinha para onde ir. Ele lembrou de mim - mais precisamente da minha falta de dinheiro – e, juntamos o útil ao agradável por força das circunstâncias. Por enquanto, estamos nos dando bem.
Eva tem 28 anos, está no Brasil há 1 ano e 3 meses, é muito tranquila, fala muito bem português, está dando aulas de inglês num curso e está procurando um namorado. Ela me contou que, na Suécia, a maioria dos apartamentos são construídos para apenas uma pessoa. Muitos homens passam a vida inteira sem ter mulheres, e isso é muito triste. As mulheres, por sua vez, se enclausuram em suas casas, complexadas, considerando-se gordas e feias, cumprindo, apenas, a obrigação de trabalhar. Pouco se divertem. Quando Eva viu as pessoas dançando à vontade no Rio de Janeiro, soltou-se como um papel ao vento. “Meu Deus, ninguém vai reparar se eu estou dançando, que bom”, disse.
Sem cobranças. Ela pode exibir sua barriguinha branca na praia sem problemas. Ela pode apenas dançar, ninguém irá recriminá-la. Ela pode até iniciar conversa com um cara que ela achou interessante, também, e daí? Liberdade.
Nesses tempos de Big Brother e Casa dos Artistas, depois dessa conversa com a Eva, pensei na Igreja Católica e nas freiras do colégio onde estudei dizendo que Deus estava me olhando, por isso eu tinha que ser "direitinha" e "boazinha". E eu imaginava Deus com olhos bem grandes, me vigiando, seguindo todos os meus passos, sabendo se eu mentia, se eu comia biscoito antes do almoço, se eu pensava no menininho que eu gostava. Quanta culpa. Eu quase queria não ser, assim fugiria dos olhos grandes de Deus a me vigiar. Mas depois eu esqueci Dele, e comecei a “invadir” sua casa, como se quisesse comprovar que Ele não era nada de mais. Assim como eu. Fora do horário, eu e uma amiga arrombávamos as portas da capela e tocávamos o velho órgão do colégio fazendo muito barulho. Íamos ao altar e fingíamos rezar uma missa, segurando o cálice acima da cabeça, falando alto, fazendo eco na capela vazia. Quando alguém aparecia, nos escondíamos dentro do confessionário, às gargalhadas, leves e ignorantes do rompimento que estávamos travando.

21 fevereiro, 2002

Pausa por tempo indeterminado
Aos nossos leitores, peço desculpas pela ausência, mas o fato é que meu computador de casa está com graves problemas. Fui reinstalar os drives do modem e acabei removendo o mesmo, e agora não consigo colocar os drives de volta. Na inicialização do windows, é pedido um disco de setup que eu não tenho. Tentei reinstalar o windows, mas como mudei de placa o código-chave ficou inválido e o programa acaba não rodando. Logo, tenho tudo menos o modem.
No trabalho, é chato ficar blogando, porque estou muito atolado. Se alguém tiver alguma dica para me ajudar, envie em horário comercial para gustavoa@lancenet.com.br.
Até qualquer dia.

20 fevereiro, 2002

A triste história de seu Arlindo e D. Laura

Seu Arlindo era um sujeito gordo, com jeito de matuto mineiro, daqueles que comem capim na beira da estrada e olham a vaca pastar, sem pensar demais. Mas não era, não. Era um sergipano radicado no Rio que, agora, além de gordo, estava meio careca. Com todo este perfil, para piorar, ainda foi à falência no negócio de criar avestruzes que montou com um sócio picareta. Ninguém sabe bem o que aconteceu, mas como para qualquer empreendimento malogrado a culpa do desastre é sempre do sócio... "Ele me roubou", dizia Seu Arlindo. E penhorou as jóias da esposa recém falecida, vendeu o carro do ano, a casa em Geribá, demitiu os empregados, já não colocava cloro na piscina, nem ligava a sauna. Até o relógio suíço, herança do pai, vendeu. Sozinho e à bancarrota, logo ficou sem os amigos que julgava ter nem ter onde morar. Foi então que, ao pobre homem, restou apenas um aliado: Seu Baltazar. Este sim, homem de respeito, sabia levar a vida e os negócios, sempre sorrindo, ao lado de sua espivitada esposa, Dona Nininha, uma mulher arretada e de personalidade forte. Seu Baltazar ofereceu-lhe uma oportunidade de ouro: uma casa espaçosa, com quintal, piscina, nada muito exuberante, mas dispondo de conforto, por um módico preço, para que Seu Arlindo sanasse suas dívidas.
Grato e quase à beira do choro, Seu Arlindo mudou-se. Lá, além de uma casa mobiliada, encontrou um casal de caseiros para ajudá-lo por igual qualidade de preço, ou seja, irrisório. E com um agravante: a esposa do caseiro era muito atraente. Não demorou dois meses para que o desafortunado marido a encontrasse aos beijos e abraços na cama do patrão. Se um casamento acabara desfeito; novo par sentava-se à mesa do café da manhã.
D. Nininha comentou desconfiada com o marido sobre as intenções daquela mulher, de seus vinte e poucos anos, pois Seu Arlindo era homem mais velho, curtido e, como não bastasse, desprovido de qualquer charme.
Uma vez que a tal história não tem pé nem cabeça, como se diz, vou terminá-la assim mesmo, de bermudas e chinelo, num churrasco ao meio-dia, promovido pelo casal Seu Arlindo e Dona ...como é mesmo o nome dela?, quando do alto de seu 1m63cm, D.Nininha "subiu nas tamancas" depois de ter sido ultrajada pela Dona...? na frente de todos os amigos e disparou a tal história, ilustrando com palavrões cabíveis, xingamentos de "vagabunda", choro, dedos em riste, burburinho, e que caiu sobre os ouvidos inocentes de todos os convidados como uma bomba, uma cena de novela. Todos se retiraram, com boa vontade, de uma residência cuja arrogância era, agora, a patroa.

19 fevereiro, 2002

Texto-ensadecido-doído-moído-ido-contornando

Sabia que era perigoso falar sobre o assunto, ainda tão vivo. Era uma descoberta quase explosiva e feliz. Quis usar palavras, mas não as encontrou sublimes como pretendia. Porque assim precisavam ser para que expressassem com dignidade a lua daqueles humores. Era vontade esparsa de viver.
Comera alguma fruta para amenizar a ansiedade. Sentiu-se liberta do porto de seus conhecidos e rotineiros sentimentos. Alargou-se. Mesmo assim, imaginou uma briga inexistente. Mas ao longe, bem ao longe, ouviu um rugido de uma porta batendo fortemente. Tampou os ouvidos, fechou os olhos e deixou aquele beijo urgente escapar. Não ouviu mais nada. Os olhos ficaram secos, o coração acelerado, as mãos um pouco trêmulas.
Refez uma palavra-cruzada jogada no porta-revistas no canto da sala. Ouviu um bêbado cantando uma bela canção. Dormiu embriagada pelo vento molhado da madrugada que era o que ainda restava de beleza naquele dia.

18 fevereiro, 2002

Tá, ainda o Carnaval

Blocos: o Gustavo estava mal humorado com o Carnaval, convenhamos, com toda a razão. Mas eu, que já sou irritada por natureza, até me diverti como pude. Tentei ir a dois blocos e cheguei atrasada aos dois: o Cordão do Bola Preta e o Carmelitas. No Cordão, o bloco já estava longe, então encostei num carro em frente ao Teatro Municipal e, sem sair dali, me limitei a olhar e rir. As fantasias mais doidas, as figuras mais engraçadas, um ou outro rosto conhecido, não sei de onde. Nisso, os foliões se aproximam, carro de som e tudo. Uma senhora pára ao meu lado no meio da confusão e avisa: “ei, chega pra lá um pouquinho que ela, ó”. “Ela, ó?” o quê? Quando eu olhei, a mulher estava fazendo xixi ao meu lado, encostada no carro, pernas entreabertas, o bloco passando, duas horas da tarde. Eu NÃO estava atrás do carro, na calçada. Eu estava no asfalto, de frente para o bloco. Bom, nessa altura eu já estava atrás do carro. A senhora que falou primeiro comigo, então, ocupou a “vaga do banheiro” deixada pela outra e fez ali também o seu xixizinho. Com uma toalha de rosto, elas se secaram com muita naturalidade e seguiram cantando rumo à Cinelândia. Como diria um maluco que eu conheço: lúdico, muito lúdico. Ah, o Carmelitas, sem comentários, sem comentários...meia hora e eu já estava no Lamas, pelo amor de Deus, tomando um chopp no ar-condicionado.

O retorno

Que delícia de segunda-feira! Que maravilha de fila que eu acabei de enfrentar no SUS – é, no SUS, aquele Sistema Único de Saúde exclusivo para pobres que ficam duas horas, no mínimo, esperando para receber remédios gratuitos e eu nem cogitei reclamar. Ora, é de graça, que benção, que governo bom! puxa, minha mãe precisa fazer hemodiálise e tomar estes remédios e sem o SUS seria muito mais complicado. “Eu espero”, pensei conformada, tudo bem. Enquanto isso fiquei lendo um livro de contos do Julio Cotazar que eu comprei ali na esquina da Praça da Cruz Vermelha, ao lado do Hospital do Câncer, por dois reais, pra passar o tempo. Antes, tentei tomar um suco de maracujá, para me acalmar, porque fiquei um pouco revoltada e senti um ódio tão estranho pelo Rio de Janeiro e pelo piscinão de Ramos que, de repente, esse bolo na garganta se estendeu à Praia de Ipanema e ao Túnel Dois Irmãos, à Lagoa Rodrigo de Freitas e a todos os pedestres da Avenida Rio Branco, e também ao calor insuportável, ao verão, e eu quis estar em qualquer lugar que não fosse aqui e percebi que eu sofro de histeria, ih.

16 fevereiro, 2002

Santíssima semana
A partir de segunda, volto ao trabalho, com disposição renovada, talvez com a cabeça melhor, e, se tudo der certo, com um time em melhor situação depois de vencer o São Paulo. Declararei aberta a temporada de caça à Semana Santa, desde já aceitando sugestões. Nem é preciso viajar longe - uma piscina, uma churrasqueira, algumas garrafas, som e tranqüilidade já bastam para ser feliz.
Aliás, nem precisa piscina. Senão alguém vai sugerir, cheio de graça, o Piscinão de Ramos.

Sobre relacionamentos
É da índole de todos, homens ou mulheres, buscar no oposto o que se convenciona chamar de bonito - certo? Acho que quanto a isso não há dúvida. Senão eu receberia propostas de casamento ao invés de ouvir cinco vezes por mês a frase "você é um cara legal, mas...". Mentira, nem ouço essa frase, mas é só para exemplificar.
Bom, sendo ponto pacífico isso, passemos para outro raciocínio: amor, como eu disse uma vez (isso de citar a mim mesmo e dando crédito é terrível, mas espero que seja a última vez), é uma mistura caótica de sonhos e hormônios. O que você sonha, o que você sente, o que seu corpo sente - enfim, o resultado disso indica o seu cônjuge ideal. No mundo atual, de superexposição da mídia, de culto aos rostinhos e peitorais, não é de se espantar que a parte "hormônios" da minha definição de amor prevaleça (calma, já estou chegando lá...). Afinal, junto com o "amor" em si ainda tem o poder, o reflexo no meio e na sociedade, enfim, o mesmo que dizer que fulaninho tem mais prestígio no grupo se estiver comendo mulher gostosa - e vice-versa.
Observando alguns poucos minutos do Big Brother Brasil, reparei que eles são escolhidos a dedo, dentro de um padrão de beleza - até a mulher feia é feia dentro de um padrão global, uma mistura do que seria se colocássemos a Zelda Scott da Armação Ilimitada e a Catifunda dentro de um gigantesco liquidificador e depois congelássemos a pasta.
De certa forma, a seleção visual da mídia se aproxima muito do que seria nossa seleção visual - uma vez que estamos sempre sob influência dos meios. Ou seja, na época em que o Tiago Lacerda estiver em evidência, os caras parecidos com ele estarão mais aptos a encontrar uma parceira para reproduzir.
Olhando o que fazem as pessoas do Big Brother (a saber: falam "vou dar porrada" de cinco em cinco minutos, reclamam da comida, cantam jingles da Lu Patinadora e falam em "brother" o tempo todo, achando que o "brother" do título é da gíria e não o do Orwell), fiquei com uma certa preocupação:
Se essas pessoas que apresentam esse padrão correto de beleza estão mais aptas a se reproduzir, estaremos diante, a longo prazo, de uma seleção natural catastrófica? No futuro distante, todos serão como aquelas pessoas do Big Brother? Só eles se reproduzirão em breve? Bonitas mas incapazes de andar e mascar chicletes?
Bom, pelo menos ninguém vai jogar chiclete na rua.

14 fevereiro, 2002

Sonho triste
Na noite de terça para quarta, tive um sonho terrível e angustiante. Vai parecer lugar-comum quando eu contar, mas tente ler até o fim para ver que não é tão lugar-comum a forma dele.
Os jornais diziam, "Esta é a nossa última edição. O mundo vai acabar, e isso é fato já confirmado". Angustiante, triste, sem saída. Como fugir da morte em um mundo que vai ser totalmente destruído? O tom dos jornais era o mesmo: "Os cientistas mais conhecidos do planeta só conseguiram mesmo chegar à certeza de que tudo vai acabar, e de que todos vão morrer. Mas não conseguiram chegar nem perto de uma solução para isso. É lamentável, mas tudo que podemos recomendar é que todos permaneçam junto das pessoas amadas, dos lugares amados. Não há para onde correr. Todos vão morrer".
Um amigo meu, de convivência próxima, aparece no sonho depois que eu reclamo do tom fatalista dos jornais. Ele diz, "Mas é isso mesmo, cara. Vai acabar, você quer que eles escrevam o quê?". E eu sentia enorme tristeza.
Bizarro do sonho: uma nota dizia que o lateral Arce, do Palmeiras, já tinha se matado, para antecipar seu fim. Mas não havia nada de alarmante no tom da nota, era como alguém dizendo que um amigo resolveu ir mais cedo para algum lugar.
O sonho seguia com manchas, imagens, sensações de tristeza. Me lembro de ter ficado estranho por não ter tido filhos - nem triste nem alegre. Pensei em ex-namoradas, pensei no grande amor da minha vida e de como eu gostaria de estar segurando a mão dela no momento final.
No sonho, começava a pensar na sensação da morte, que eu iria certamente experimentar em poucas horas. Vinha minha mãe chorando, meu irmão passando de um lado para o outro. Pensava em meu pai, e pensava se haveria algo além, uma vida após, se a mente continuava.
Em todo o mundo, os valores mudavam, o dinheiro perdia, os pertences não valiam mais nada, só se queria despedida, um último beijo, um abraço. Ninguém brigava por um salva-vidas, pois era sabido que não haveria como se salvar. Todos ficavam em seus lugares, e uma nova corrente de amor surgia, como nunca tinha surgido igual - pela primeira vez, a humanidade toda tomava consciência da mortalidade ao mesmo tempo. O perdão, a paz, os valores espirituais mais nobres, venciam, na iminência da morte do corpo.
Subitamente, o céu límpido e azul visto da janela do meu quarto dava uma piscada, um flash, como uma lâmpada queimando, e tudo escurecia, enquanto se ouvia o côro de simplesmente toda a humanidade gritando de horror, com a chegada da hora. No escuro, ouvi minha mãe gritando, pedindo para eu ir para junto deles, pois o fim chegara. E todos nós, familiares, nos abraçávamos.
Nisso, acordei.
E a morte, deitada ao meu lado na minha cama, ainda dormia. Até um dia qualquer.

Quatro dias de descanso
Aviso aos navegantes: não mandem emails para gustavoa@lancenet, pois só retorno ao trabalho na segunda-feira. Consegui um dia extra de folga, esta quinta, e emendei com sexta, sábado e domingo.
Foi excelente. Ao contrário do que acontecia em um certo diário, tenho superiores hierárquicos hoje que são abertos ao diálogo, e não como naquele certo diário, em que o editor chefe não dava bom dia.

13 fevereiro, 2002

Windows
Com certeza, este não é um post para falar de sistemas operacionais. E sim de um texto enviado pela Teresa, que a maioria das pessoas que eu conheço também conhece. Teresa anda trabalhando atualmente em uma assessoria de imprensa, depois de ter passado pelo IG e pelo calvário do Extra - o jornal, não o supermercado.
Ela falou sobre o assunto abaixo, numa troca de emails, e eu disse que ia publicar no blog. Como sempre, ela disse que não tem jeito para isso e não curte aparecer. Mas eu insisti. Notem que a moça tem estilo. Só não a coloquei no meu post "Mulheres solteiras e interessantes" (aquele onde anunciei Crib, Roberta e Alessandra) porque ela não está disponível no momento. Mas os interessados em se comunicar com ela podem me enviar mensagem, que eu repasso. Isso enquanto ela não me autoriza a publicação do email dela mesma. Mas, vamos ao texto:

Descobri aquela janela tarde da noite. Sempre tive o hábito de olhar dentro dos apartamentos quando passo de ônibus pelas ruas. Ajuda a passar o tempo. A luz do escritório estava acesa e a estante de madeira escura chamou logo a atenção. De fora a fora, do teto ao chão, lotada de livros. Sempre amei
bibliotecas e essas estantes de madeira imponentes. Foi inevitável associar as idéias. Então, a partir daquele dia, aquela janela da Raul Pompéia passou a ser a biblioteca. E eu sempre ficava atenta depois do túnel só para ver a biblioteca. Isso acontecia muito nos meus tempos de ...., quando eu saía tarde do jornal, exausta e ia batendo cabeça no ônibus na volta para casa.
Com o tempo, descobri que a biblioteca ocupava dois cômodos do apartamento e passei a observar o lustre, as cores dos livros e a mesa onde eu já imaginava um distinto senhor de óculos e cabelos grisalhos, um pouco careca. Isso me fazia bem. Era uma alegria meio de criança que olha um brinquedo na vitrine. Ficava frustrada quando passava e a luz estava apagada ou a janela fechada. Ainda fico. Várias vezes pensei em preparar um bilhete e carregar na bolsa para um dia tomar coragem e entregar ao porteiro.
Eu ia chegar, perguntar o número do apartamento e deixar o bilhete:
"Prezado morador do xxx, estou escrevendo só para dizer que o senhor tem uma linda biblioteca. Vê-la do ônibus é umas dessas pequenas coisas que podem fazer o meu dia mais feliz. Por favor, não feche mais suas janelas tão cedo".
Simples, curto, direto.
Fico imaginando qual seria a reação dele. Será que ele iria colocar grades nas janelas e mantê-las fechadas com medo de ser assaltado por uma louca? Ou será que ficaria na janela, olhando os ônibus para tentar descobrir a autora do bilhete? É engraçado que em todo esse tempo eu nunca tenha visto nenhum rosto na biblioteca. Com o tempo a gente podia se achar, mas sem dizer nada, sem fazer nenhum gesto. Apenas um olhar cúmplice. Eu passaria no ônibus, nos veríamos e assim que o ônibus se fosse ele fecharia a janela.

12 fevereiro, 2002

Tudo o que eu precisava
Saio de casa duas horas antes. Táxis não conseguem entrar no local onde fica o jornal. Espero o ônibus, ele demora pelo menos uma hora para passar. Chega. Salto no metrô, mas nem todas as entradas estão abertas - desnecessário dizer que a que está mais perto está fechada e eu só descubro isso quando dou de cara com um bebum dormindo na porta. Ando debaixo de um sol faraônico até a São Clemente.
No metrô, no primeiro dia do plantão, cruzo com centenas de torcedores do Botafogo e logo depois com milhares de não menos alvinegros foliões do Cordão da Bola Preta. Saio na estação Praça Onze e centenas de turistas, passistas, foliões, transitam aos berros, sob músicas horrendas e alegorias que parecem ter saído de um pesadelo de Pasolini.
E voltando para casa? Pego uma carona até Ipanema, achando que vou me livrar do agito. Amadorismo da minha parte. Em Ipanema, grosas de foliões bêbados do Simpatia é quase amor (não vi nenhum dos dois sentimentos) entopem a rua. O caos e a informalidade dominam o ambiente. Vejo até uma nova técnica, que me lembram os primeiros cro-magnons inventando o fogo ou a roda: latinhas de cerveja recolhidas pelos catadores são colocadas em montes, rapidamente, embaixo das rodas dos ônibus, para serem amassadas e transportadas mais facilmente. Não sei porquê, fiquei deprimido.
Depois de esperar por exatamente 87 minutos pelo meu ônibus, entro nele e penso que vou ter uma viagem tranqüila - estou cansado. Lêdo engano. No trajeto de Ipanema até minha casa, as ruas estão TOMADAS por sujeitos sem camisa, ameaçadores, com latinhas de cerveja quente na mão e o coração cheio de desilusão, pois saíram aos bandos e obviamente não conseguiram beijar boca de mulher nenhuma.
Turistas de todas as partes do Brasil andam a esmo, sem saber direito porque estão fazendo aquilo. O calor parece aumentar. Em todas as praças, músicas baianas são tocadas em um volume capaz de espantar a cera do ouvido. Vejo assaltantes aqui e ali. Mais grupos de caras estranhos e agressivos. Meninas mineiras e suas famílias derramam seu sotaque na calçada e transpiram uma desperdiçada inocência - qualidade que, naqueles lugares, é equivalente mais ou menos à Madre Teresa de Calcutá vendendo bíblias em uma orgia comandada por Costinha e Calígula.
Finalmente chego em casa, tomo banho, como alguma coisa e me deito em frente à televisão. Ligo na Rede TV e vejo flashes do Carnaval. Não sei para quê, aliás. E vejo a mãe loura do funk, Verônica Costa, entrevistando a mãe preta das mulheres peladas, a Globeleza.
A entrevista tem um efeito impressionante sobre meu cérebro: parece que todo meu raciocínio, conhecimento, memória, capacidade intelectual (que não considero muita), tudo, tudo está sendo sugado por aquela dupla. "Estou desde as duas da tarde pintando o corpo", diz a Globeleza. Olho o relógio, e são dez da noite.
Mudo de canal e caio no Big Brother, no Multishow. Com dois minutos eu desisto e desligo a TV e sonho com lexotans voadores aterrisando em meu cérebro. É noite. Talvez para sempre.
Carnaval, tudo que eu precisava.

Cifras e Safras - as melhores canções para tocar bêbado
A música abaixo, do Barão Vermelho, belíssima, inaugura a nova seção, destinada à pessoas que querem cantar e tocar com a cara cheia de vinho e o coração cheio de saudade. Violão ou guitarra na mão, e som na caixa!
Flores do Mal
Tom: D
D A/C# Bm
Não me atire no mar de solidão
G E/G# D/A A
Você tem a faca, o queijo e meu coração nas mãos
D A/C# Bm
Não me retalhe em escândalos
G
Nem tão pouco cobre o perdão
E/G# D/A A
Deixe que eu cure a ferida dessa louca paixão
D A/C# Bm
Que acabou feito um sonho
G E/G# D/A A D
Foi o meu inferno, foi o meu descanso
E7 D
A mesma mão que acaricia, fere e sai furtiva
E7 G D
Faz do amor uma história triste
E7 D
O bem que você me fez nunca foi real
E7 C
Da semente mais rica, nasceram flores do mal
D A/C# Bm
Não me atire no mar de solidão
G E/G# D/A A
Você tem a faca, o queijo e meu coração nas mãos
D A/C# Bm
Não me retalhe em escândalos
G
Nem tão pouco cobre o perdão
E/G# D F#
Deixe que eu cure a ferida dessa louca paixão
E7 D
Não me esqueça por tão pouco
G A
Nem diga adeus por engano
D
Mas é sempre assim
A mesma mão que acaricia ....

09 fevereiro, 2002

Noiado
O dono do blog Botequim, o companheiro de profissão e de infortúnio Maloca, disse uma expressão que se encaixa como uma luva para o meu atual estado de espírito, desconfiado de tudo e de todos: "Cara, tu tá noiado". Pois é, "noiado", obviamente de "paranóia". Perfeita a expressão. Ando mesmo pensando cobras e lagartos daqueles que me cercam - principalmente das mulheres. Mas acho que isso tudo tem três motivos básicos: 1) Ainda estou me recuperando da última que habitou minha mente e meu coração, 2)Estou trabalhando direto desde o dia 28 de janeiro e devo seguir até quinta-feira, 3) Estou há quase um mês sem birita, por precaução minha.
Ou seja, espero que eu esteja noiado por tempo limitado. E você, tá olhando o quê?

Motherland e a sutil desesperança
Comentei alguns posts abaixo sobre o novo disco de Nathalie Merchant, uma das minhas cantoras preferidas. Chama-se "Motherland", e somente depois de ter escrito o post é que fui prestar atenção na música que dá nome ao CD, para mim a mais bonita canção que ouvi nos últimos dois anos. Digo, das que nunca tinha ouvido antes.
Ainda não li a letra, mas o inglês de Nat é bem falado, claro, e a voz límpida que ela tem ajuda muito - dá para entender que "Motherland" é mais que uma canção de amor, é uma canção do amor no escuro. Nathalie pede que lhe dêem a mão, que não a deixem, enfim, essas coisas que tem todo bom cancioneiro americano folk, mas na voz dela e com um suave bandoneon ao fundo ganham uma dramaticidade, uma intensidade que não chega a ser um choro - e sim um choro contido, desses que a gente segura para que as lágrimas não nos embacem os olhos e atrapalhem a visão que a gente tem de uma última paisagem.
Nathalie parece se assumir como desesperada, frágil, em busca de respostas, em um mundo onde o desenvolvimento tecno-financeiro transformou todo o resto em andróides. Todo mundo hoje tem email, tem celular, tem 30 anos, tem carro, tem emprego e é bem resolvido. Nathalie Merchante, no entanto, continua cantando o mesmo desespero dos tempos em que andar sem ficha de orelhão no bolso era fatal.
"Motherland" não é uma música para quem é completamente feliz - até porque quem diz uma coisa dessas, no mundo em que vivemos, não pode estar com os sentidos alertas. Que viva a alienação assumida, então.
"Motherland" é uma música de fim com tentativa de recomeço, é uma contemplação de um dia ruim que termina. O sentimento que ela transmite ao cantar os versos "Keep me safe/Lie with me/Stay beside me don´t go" é aquele que se tem quando, enfim, a gente percebe que nem tudo nesses anos todos saiu exatamente como a gente queria e sonhava, e o que resta é pedir a alguém que não saia de perto, pelo menos agora, pelo menos enquanto essa maré não passar.
Enfim, é uma música para levar na cabeça durante a viagem de ônibus na cidade chuvosa, para manter na cabeça no trabalho, e assoviar no banheiro. Cedo ou tarde aposto como algum espertinho vai utilizar "Motherland" como trilha sonora de novela. Mas mesmo assim eu vou continuar sentindo as mesmas coisas - ah, piada. Nunca se sente as mesmas coisas.
Parece que é isso o que Nathalie quer dizer o tempo todo com sua voz de Serenata de Amor.

08 fevereiro, 2002

Ausência

Estarei ausente do blog até dia 18 por conta de umas mini-férias que caridosamente me concederam.

Ufa...



Blogs

Passeando pelo Botequim do Maloca, lendo sobre o “Big Bosta Brasil”, gerundiando como quem não quer nada, pensei nos blogs. Oh! que reflexão profunda, concluí. Mas não me censurei e continuei pensando e empesteando o ambiente, por isso. Estava na minha cabeça a relação entre o voyerismo que está em moda ultimamente e tudo o que eu escrevo aqui.
Acompanhei a vida de outros que sequer conheço, lendo seus posts, rindo deles, investigando, criticando. Aqui, pelo menos, não tem câmeras, música insuportável, Alexandre Frota, Ibope, Silvio Santos, mas tem um culto à exposição que até certo ponto pode ser considerado normal. Também não tem prêmio em dinheiro (imagina se tivesse, eu já teria plantado até bananeira nesse blog).
A decisão de preservar a intimidade é de quem escreve. Alguns contam seus casos amorosos e outras histórias não tão engraçadas mas prendem a atenção. Eu escrevo para me expor, também. Ué, vou dizer que não? E para ter esperança, me manter ativa, treinar meu texto, me atualizar, desabafar, reclamar (fui interrompida agora por um telefonema da loja do cheque que voltou)...voltei. Na verdade, minha intenção é que alguém leia estas baboseiras todas, se apiede de mim, ofereça-me um belo emprego – se é que é possível algum emprego ser belo – e, claro, me elogie, dizendo sobre como eu escrevo bem, tão bem, que consigo fazer até com que “apiede” caiba num texto desses, e por isso mereço ser empregada ganhando muito bem. Tudo o que aumente a auto-estima, dilacere a vaidade e enriqueça a conta-corrente, que é o que mais me interessa no momento.
Bom, tudo isso porque eu li uma matéria do Pedro Dória sobre este assunto (www.no.com.br), que vale a pena. A culpa é dele.

Em tempo
Hoje, sexta-feira, estarei lá na pista 2 da Casa da Matriz colocando um som rock and roll pré-carnavalesco. Vou levar o último CD da Nathalie Merchant, "Motherland", que tem uma música dançante. Devo tocar também mais Neil Young, Pretenders, REM e um pouco mais de Rolling Stones.

De volta, e já com testes
Uns dias de pausa, pois havia muito trabalho no jornal e minha garganta começou a dar estranhos sinais novamente. Porém, estou menos preocupado, pois com a fase de não sair mais à noite, e bastante vitamina Cewin, minha resistência melhorou - se não fosse o ar condicionado sujo do jornal, eu estaria já com 100% de saúde. Mas falta pouco.
Descobri através da Crib um site de quizzes, cuja intenção inicial é de deixar cada um elaborar seu próprio quizz para ver se os amigos o conhecem. Fiz dois, achei maneiro e coisa e tal, mas decidi abranger. Criei então o quizz Teste Gustones de Cumplicidade, para ver se os caras (us manu) estão com plenas capacidade de cuidar das garotas (as mina). As meninas também podem fazer o teste, é só inverter as situações. O teste está AQUI
Desde já publico a pontuação e a classificação:
100 pontos - Você realmente é sensacional. Vou te recomendar cônjuges ideais - se você é homem, Nossa Senhora, se é mulher, Jesus Cristo. Seu destino é o convento.
De 80 a 95 pontos - Você tem condições de conviver sem se transformar em um porco chauvinista ou em uma feminista chata pra cacete. O melhor de tudo - pelo jeito, se você é mulher, não gosta de falar em linguagem tatibitati "o que meu amorzinho quer? heim, heim?"
De 50 a 75 pontos - Você precisa tentar entender o outro, saber mais o que o outro pensa. Preste mais atenção na sua menina, veja o que ela realmente tem a dizer. Se ela não tem nada a dizer, bem feito, quem mandou namorar uma débil mental?
De 20 a 45 pontos - Dedique-se ao tricô ou compre uma boneca inflável - mas não encha a coitada muito. Gatos, nem pensar em ter. A Sociedade Protetora dos Animais processa quem leva os bichinhos ao suicídio.

07 fevereiro, 2002

Os voadores e o Guiness

Em um mês e meio já consegui emitir dois cheques voadores. Estou
me aperfeiçoando, vou para o Guiness. Porém, antes, vou fazer um livro de auto-ajuda, algo como "Ignore os juros dos cartões e do limite do cheque-especial: endivide-se com orgulho" ou "Como é fácil viver emitindo cheques-borrachudos quando se tem amigos". Com a venda vou pagar as dívidas e os amigos, é claro.


Bobice

Denilson, um amigo meu, me mandou esse "e-mail-bobice" logo cedo.

"Responda com sinceridade e então você poderá avaliar suas ações. Trata-se de uma situação imaginária, porém você deverá decidir o que faria....

A hipótese: você está em São Paulo, em meio ao caos dos terríveis momentos de enchentes que lá ocorrrem em épocas de chuvas mais intensas (dessas capazes de acabar com qualquer apagão). Voce é um(a) repórter fotográfico e está desesperado(a)! , porém protegido(a), tirando as fotos mais impactantes. De repente, vê Fernando Henrique Cardoso dirigindo um Jeep, lutando desesperadamente para não ser arrastado pela correnteza, lodo e pedras. No entanto, ele acaba sendo arrastado pela correnteza. Você tem duas opções: salvá-lo ou tirar a fotografia ganhadora do Prêmio Pulitzer, Esso, e outros registrando a morte de um Presidente...

O que você faria?

Ampliaria a foto em preto e branco ou colorida?






06 fevereiro, 2002

Até a falta de assunto rende uma poesia

Todos estão trabalhando como nunca e ganhando como sempre. Nem todos estão trabalhando como nunca e ganhando como sempre. É. Estou sem assunto para escrever. Nem mesmo sei porque estou insistindo. O Gustavo está ocupado e, pelo visto, abandonou geral (ele vai revidar, querem apostar?). E eu que estou no ócio - ou quase - pouco consigo criar, o que é uma pena.
Que tal uma poesia? Fernando Pessoa, estou lendo agora. Drummond? Cecilia? Castro? Que nomes terão? Li num blog que não lembro de quem, só sei que era de uma mulher, menina, moça, enfim, sei lá, e ela dizia com muita rispidez que detesta poesia. Achei interessante ela dizer isso, assim, na bucha. Embora tenha faltado mostrar o pau dessa cobra morta.
"D-e-t-e-s-t-o poesia", ela disse. Acrescentou que não tinha paciência pra ler porque umas eram muito piegas (pelo visto não acha piegas a palavra "piegas", mas eu acho) e melosas demais. Amaldiçoou os versos açucarados e o romantismo exacerbado. Confesso que me tocou, ler assim, com todas as letras, essa declaração. E eu nem a conheço! Aliás, acho que não vou conhecê-la, mas a considero uma corajosa. Porque não acredito que alguém se liberte assim, de modo tranqüilo e desprendido, de uma poesia. Melhor: de uma boa poesia. A menos que nunca tenha lido uma só que valesse a pena na vida. Pode ser apenas questão de gosto, o que me colocaria numa posição constrangedora de não ter absolutamente n-a-d-a a ver com isso. Mas então, por que "carambas" eu tenho que me espantar e me tocar com isso? Já sei. Mas não vou contar. Sorry. (Queria dizer, apesar de tudo, que é mais fácil declarar que detesta-se o que todos detestam e, por isso, elogiá-la, mas é que justo agora lembrei de um verso).

05 fevereiro, 2002

Calendários e otimismo

No início do ano, ganho sempre várias agendas e calendários. Ganhei um calendário com dizeres. Por exemplo, para o mês de fevereiro lê-se a frase: “Existirá sempre um sol brilhando e um céu azul capazes de nos mostrar o brilho do caminho a seguir”, de autoria de Valdete Poli, que não faço a menor idéia de quem seja, e não me chamem de ignorante, por favor, se não eu zango. Essa frase se parece com xuxu cozido, ou seja, não tem gosto de nada.
Outra, do mês passado: “Cada novo dia é um descobrimento para crer que vale a pena viver”. Muito otimista esta frase, mas já me disseram que eu sou prática demais. Sou mesmo. Me perguntaram, uma vez: “Há um copo. Ele está pela metade. Você diria que ele está “meio cheio” ou “meio vazio”?”. Com esta besteirada, queriam avaliar meu otimismo. Eu respondi: "ué, está pela metade". Concordo que fui antipática.
Não dá para aturar esse monte de frases de ensinamentos de como viver melhor. Para quê? Para comprar os livros de auto-ajuda que tanto me fizeram rir dias atrás aqui nesse blog e acreditar que amanhã será um dia azul de sol brilhando e que tudo melhorará? E se chover? Eu aguardarei sentada na minha cadeira de praia o dia em que o sol me mostrará o tal do caminho e, até lá, ficarei paciente e tranquila, confiando no poder de Deus e do meu destino? Ahã.
Aí vem o Cardeal Suenens, outro ilustre desconhecido, e doutrina para o mês de março... tchan tchan tchan...”Felizes os que sonham sonhos e estão dispostos a pagar o preço de torná-los realidade”. Não, não vou ler mês a mês de jeito nenhum. Chega. Gostaria que essa minha descrença se diluísse nessas frases cheias de sóis, de sonhos e de azuis, sem que eu precisasse ler. De repente, eu só quero tornar-me disposta e atenta ao que vivo, simplesmente. Sem frases e sem maiores expectativas.
Porque, pensando bem, ainda faltam 23 dias pro final do mês...quantos dias azuis ainda terei! Oba.

Cinismo

Converso com um, converso com outro, e só posso afimar uma coisa: a minha situação financeira está cínica mesmo.

04 fevereiro, 2002

Quase

Num final de semana em que a chuva foi a principal atração, quase todos os programas foram tenebrosos. A sexta começou mal, no Far Up, aquela boate na Cobal do Humaitá num aniversário de um amigo que vale qualquer esforço, mesmo marcando uma comemoração naquele lugar que já foi até “freqüentável”. Cedo, tomei o rumo de casa. Passei um sábado tranqüila e ansiosa para rever meu pai, que não via há mais de um mês. Quando já estava pronta para sair de casa, o Gustavo me avisou da presença de Del Fuego em território carioca e me intimou a ir encontrá-los, o que fiz depois de matar a saudade do meu velhão. Nem tudo estava perdido. Salve Del Fuego e seus cabelos ondulados até a última ponta, salve seu tímido sotaque paulistano.
Tudo muito bom no sábado. Ah, eu realmente estava esculhambada, quer dizer, de tênis, meio largada, mas estava me sentindo bem.

03 fevereiro, 2002

A Matriz, Del Fuego e alguns pulinhos
Sábado, recebemos no Rio a visita de Andréa Del Fuego. Como sempre, em plena forma - só não gostei do óculos, mas não falei nada para ela. Mas estava com umbiguinho de fora, o que para mim já justifica o ingresso. Fomos ao Arab de Copacabana, com Crib Tanaka e Jaime Gonçalves. E depois fomos à Casa da Matriz, encontrar com Alessandra Archer, que avisou estar "toda esculhambada". Obviamente que estava exatamente o contrário - em dado momento avisei que ela estava "muito graciosa". Mas ela não ouviu.
Noite perfeita na Casa da Matriz, som bom nas duas pistas e quantidade perfeita de gente, nem cheio nem vazio. Apenas prevalece o velho problema da proporção homem/mulher um tanto desigual. Diria que uns 23 homens para cada mulher. E alguns nem tão homens assim.
Um deles, ignorando o desinteressante estado - é casadam - de Del Fuego, se achegou e começou a puxar papo. Eu apareci, e o cara, meio doidão, se apresentou. Até aí tudo bem. Aí ele perguntou, "o que você faz?". Eu estranhei e respondi: "Trabalho em um jornal e coloco som aqui". Nova pergunta: "Onde você mora?". Aí eu desconversei e disse que morava ali perto. Pô, estranho. Aí o cara chamou um malandro de dois metros de altura e avisou, "Esse aqui é meu amigo grande".
Uma menina que vive dizendo que é sem graça olhou para mim com desespero e deu uns pulinhos, parecendo criança pequena com vontade de ir ao banheiro. Achei fascinante, gracioso, e a tirei dali. Se ela diz que é sem graça, imagine se tivesse...


01 fevereiro, 2002

"Sem graça, desagradável"

Houve uma época em que pra tudo o que eu fazia de bobo e ridículo meus irmãos cantarolavam este refrão: "sem graça, desagradável". Isto significava que eu deveria enfiar o meu "rabinho por entre as pernas" e concordar que a minha brincadeirinha não teve a menor graça e pensar numa outra melhor. Então, eu comecei a perceber que eu realmente não tinha menor vocação para contar piadas, para o humor, embora eu adorasse rir e me divirtisse bastante com as coisas. Ainda continuo assim, gostando de rir mas sem o tal dom. Se eu invento de contar uma piada, é certo que vá esquecer bem no meio. Sem contar os gestos sérios e duros que não são próprios de uma pessoa desprendida e engraçada. Então, me perdoem quando eu tentar ser cômica (dizem que a minha graça está no meu jeito desengonçado de tentar ter graça). Entendam que não haverá razão para rir porque não será engraçado mesmo. Mas saibam que é só uma tentativa pra ver se fujo um pouco dessa angústia assombrada que me persegue, nada demais. E podem roubar o refrão "sem graça, desagradável". Obrigada.

Na Casa da Matriz
Na próxima sexta (NÃO É HOJE, NÃO É HOJE....), dia 8 de fevereiro, tem "festa" Mate-me por favor na Casa da Matriz. Desta vez, com o time completo, eu e o Zé Otávio.

Em família

Meu pai é uma figura mesmo. Ele é meu principal fornecedor de piadas sobre Flamengo e humor negro. Contei para ele que tinha conseguido exterminar as pulgas do Negão e ele respondeu irônico como sempre: “como você conseguiu? atirou no gato?”.

...jornais

...ri com a tirinha do Garfield, no Jornal do Brasil (John: “Olhe, um rato. Você não vai atrás dele?” – Garfield, com cara de tédio: “Se ele estiver indo para a praia...”).
...imaginei andar de bicicleta, domingo, e passar pelo bota-fora do sebo Dantes, no Leblon, mas é provável que eu não faça nada.
...depois de ver uma foto da modelo brasileira Eliana, de 14 anos, sensação da São Paulo Fashion Week, no Segundo Caderno do Globo de hoje senti saudades da minha adolescência.
...ri com uma frase do Brizola, na coluna do Ancelmo Góis, sobre o lançamento da candidatura de Alceu Collares: “Se mulher faz sucesso nesta sucessão, por que não um preto?”.
...não li nada sobre Carnaval.